Evolução do conceito de “agronegócio” no arcabouço jurídico brasileiro

Para começar a definir um conceito e traçar a evolução da palavra agronegócio no arcabouço jurídico brasileiro, a premissa a ser entendida é que a palavra agronegócio não se encontra escrita explicitamente na legislação brasileira.

Porém, a conceituação do vocábulo “agronegócio” não pode ser feita isoladamente à luz das leis que tratam exclusivamente do imposto de renda. O objetivo do presente artigo é desenvolver uma análise mais ampla que percorra o ordenamento jurídico brasileiro como um todo.

Para a melhor compreensão, será traçada uma linha temporal da evolução dos vocábulos que foram utilizados ao longo dos anos na legislação brasileira, de maneira a classificar o termo “agronegócio”.

Leonardo Loubet (2017) esclarece que a palavra agronegócio não é nem ao menos identificada nos enunciados do direito positivo. Os termos mais próximos são:  atividade agrícola, rural agricultura, pecuária e empregador rural.

Por meio da Lei Federal 4.214/63, art. 2º, inicia-se a busca pela evolução do conceito do que vem a ser o agronegócio, o qual passa pelo trabalhador rural e a origem da produção. Assim “Trabalhador rural, para os efeitos desta, é toda pessoa física que presta serviços a empregador rural em prédio rústico[…]”. (BRASIL, 1963, n.p.).

Rodrigues et al. (2011) conceitua o vocábulo “trabalhador rural” como toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviço de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência desse e mediante salário.

Dando prosseguimento à conceituação de agronegócio, o Decreto-Lei n° 276 de 28 de fevereiro de 1967, no art. 158 estabelece “Fica criado o Fundo de Assistência e Previdência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), destinado ao custeio da prestação de assistência médico-social ao trabalhador rural e seus dependentes, e que será constituído […]”. (BRASIL, 1967, n.p.)

A Lei 4.214/63 empregou os mesmos vocábulos para a classificação do gênero utilizado (BRASIL, 1963).

A Lei Federal n° 4.504, de novembro de 1964, conhecida como “Estatuto da Terra” no art. 4º, define o ‘imóvel rural’ como sendo “o prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização, destinada à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial”. (BRASIL, 1964, n.p.). Nessa lei, são utilizadas as palavras “imóvel rural”, “agrícola’, “pecuária e “agroindústria”. Esta última classifica a atividade de transformação do produto agrícola in natura em produto industrializado.

Segundo Rodrigues et al. (2011), a agroindústria é a pessoa jurídica cuja atividade econômica perfaz a industrialização de produção própria e adquirida de terceiros.

Tamarindo e Pigatto (2018) dizem que imóvel rural é a área contínua formada de uma ou mais parcelas de terra localizadas na zona rural do município, ainda que, em relação a alguma parte do imóvel, o sujeito passivo detenha apenas a posse.

Já na Lei Complementar n° 11, de 25 de maio de 1971, que levou o nome de “Programa de Assistência ao Trabalhador Rural”, o conceito de produto rural e o tratamento dos recursos para o custeio do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural provirão das seguintes fontes.

Art. 15 […] § 1º. Entende tendo como produto rural todo aquele que, não tendo sofrido qualquer processo de industrialização, provenha de origem vegetal ou animal, ainda quando haja sido submetido a processo de beneficiamento, assim compreendido um processo primário, tal como descaroçamento, pilagem, descascamento ou limpeza e outros do mesmo teor destinado à preparação de matéria prima para posterior industrialização. (BRASIL, 1971, n.p.).

Nessa lei, o legislador procurou trazer um conceito do que seria produto rural, pautado no beneficiamento dos produtos agrícolas. Rodrigues et al. (2011) dizem que beneficiamento é a primeira modificação/preparo dos produtos de origem animal ou vegetal realizado diretamente pelo próprio produtor rural de pessoa física e desde que sobre ele não incida IPI (imposto de produto industrializado).

Somente em 1.990 foi publicada outra lei com referência a vocábulos relacionados ao agronegócio. A Lei Federal nº 8.023, de 12 de abril de 1990, altera a legislação do imposto de renda sobre a atividade rural e busca trazer o que seria considerado como atividade rural. Seu art. 1º estabelece: “Os resultados provenientes da atividade rural estarão sujeitos ao Imposto de Renda de conformidade com disposto dessa lei”. (BRASIL, 1990, n.p.).

Já no art. 2º considera atividade rural:

I – agricultura; II – a pecuária; III – a extração e a exploração vegetal animal; IV – a exploração da apicultura, cunicultura, suinocultura, piscicultura e outras culturas de animais e V – V – a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação. (BRASIL, 1990, n.p.).

A lei supracitada tentou definir o que seria classificado como atividade rural e trouxe mais elementos de cultura de produção e algumas ectógnatas deixadas pelo legislador. Porém, restou à doutrina, à ciência e à hermenêutica a função de criar os conceitos.

De acordo com Leonardo Loubet (2017), a legislação não conceitua o agronegócio e tampouco a atividade rural, pois não é tarefa do legislador conceituar, mas, sim, da ciência.

Verifica-se que a menção jurídica mais expressa ao agronegócio pode ser encontrada na Lei da Política Agrícola, Lei n° 8.171/91, que tratou dos fundamentos, objetivos e competências institucionais, classificando o que vem a ser atividade rural e os pressupostos fundamentais para a política agrícola (BRASIL, 1971b).

Continuando o percurso da linha temporal definida para chegarmos ao conceito de “agronegócio”, observamos a Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre organização da Seguridade Social, institui o Plano de Custeio e dá outras providências.

Art. 22- A contribuição devida pela agroindústria, definida, para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção. (BRASIL, 1991a, n.p.).

Assim, surgiram novos vocábulos utilizados pelo legislador, os quais merecem atenção. O termo empregador rural, segundo Rodrigues et al. (2011), significa a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explore atividade agroeconômica em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos.

Outro vocábulo utilizado pelo legislador foi a industrialização rudimentar que Rodrigues et al. (2011) conceitua da seguinte forma: é o processo de transformação do produto rural pelo produtor rural de pessoa física ou jurídica, alterando as características originais daquele.

A Instrução Normativa nº 83/2001, publicada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, regulamenta os procedimentos que deveriam ser adotados no que se refere à tributação dos resultados da atividade rural das pessoas físicas (BRASIL, 2001).

No ano de 2009, foi publicada outra Instrução Normativa, desta vez a IN n° 971 que no título III, capítulo I, seção I trata da atividade rural e agroindustrial (BRASIL, 2009).

Ainda em relação ao percurso temporal no arcabouço jurídico brasileiro, para se chegar ao conceito do que é o agronegócio, o legislador brasileiro utilizou alguns vocábulos ao longo dos anos, chegando, então, à Instrução Normativa nº 1.700/17 que regulamenta a atividade rural das pessoas jurídicas (BRASIL, 2017).

Nesta última regulamentação, surge um vocábulo totalmente novo e que faz alusão a leis citadas acima. O art. 253 da IN nº 1.700/17 afirma: “A pessoa jurídica rural que explorar outras atividades […]’’. (BRASIL, 2017, n.p.).

De tudo o que foi mencionado e conceituado a respeito dos vocábulos relacionados ao agronegócio e à pessoa jurídica rural, o arcabouço jurídico brasileiro traz uma mescla de palavras que deu origem ao novo termo.

O objetivo deste capítulo era traçar uma linha temporal acerca da evolução das figuras de linguagem empregadas ao longo do tempo na legislação brasileira para classificar o termo “agronegócio”.

Conforme visto, Leonardo Loubet (2017) destaca que a palavra agronegócio não está escrita expressamente nas leis brasileiras.

Renato Buranello (2018) afirma que este é um termo econômico, derivado de agribusinnes, utilizado pela primeira vez por dois professores norte-americanos da Universidade de Harvard, John Davis e Ray Golderg, no ano de 1957. De acordo com os professores, o agribusinnes é a soma das operações de produção e distribuição de suprimentos, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas.

Para Renato Buranello (2018), o conceito agribusinnes engloba todas as relações e desdobramentos econômicos da atividade, abarcando as atividades antes da porteira, dentro da porteira e após a porteira. Nota-se que esse termo foi utilizado nos Estados Unidos na década de 1950, porém, analisando-se a legislação brasileira, pode-se dizer que apenas em 1991, com a criação da Lei da Política Agrícola, os elementos que servem de base para a criação da figura de linguagem econômica “agronegócio” vieram à tona em nosso arcabouço jurídico.

A Lei 8.171/91 utilizou os termos “antes da porteira”, “dentro da porteira” e “após a porteia” quando previu que a atividade agrícola seria constituída pelo segmento de produção de insumos, comércio, abastecimento, processamento, utilização de processos químicos e biológicos, com ênfase no desenvolvimento tecnológico.

Preocupado com o viés social, o legislador preocupou-se com o abastecimento alimentar, as condições básicas para a tranquilidade social, o desenvolvimento econômico social e as condições básicas para que o empregador rural exerça o seu papel.

Assim, Renato Buranello (2018) classifica o segmento “antes da porteira” com aquele que engloba o fornecimento de insumos para a atividade agrícola, pecuária, de reflorestamento ou aquicultura, além de serviços técnicos e científicos relacionados à produção.

O segmento “dentro da porteira”, por sua vez, é constituído pela produção propriamente dita, desde o preparo para o cultivo ou cria e recria de animais até a obtenção do produto agrícola para a comercialização (BURANELLO, 2018).

E, por fim, o segmento “depois da porteira” abrange as etapas de processamento, armazenamento, transporte, distribuição dos produtos, subprodutos e resíduos de valor econômico para destinação final do mercado interno e internacional (BURANELLO, 2018).

Por meio de definições científicas e fundamentações, pode-se trazer à baila o conceito do agronegócio como:

Conjunto de atividades econômicas que abrange a extração ou a exploração de produtos de origem animal ou vegetal, em estado natural, ou submetidos a processos que não modifiquem as características originas do produto ou suas propriedades, neste último caso desde que a transformação seja realizada pelo próprio produtor rural, bem como a industrialização desses produtos, além da propriedade de imóveis rurais, assim entendidos, aqueles situados fora da zona urbana do município (LOUBET, 2017, p. 59).

Renato Buranello (2018) conceitua agronegócio como o conjunto organizado de atividades econômicas que envolve todas as etapas compreendidas entre o fornecimento dos insumos para a produção até a distribuição para o consumo final de produtos.

Já para Fabio Ulhoa (2013 apud Halah, 2016), o agronegócio é definido como o conjunto articulado de contratos, operações financeiras e negócios que tem como cerne a produção agrícola sem restringir-se a ela.

O julgado n° 11080.013885/2007-65 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais de 2014 traz o conceito contemporâneo do que é o agronegócio. Ele visualiza o setor como um todo, não segregando as etapas da cadeia de produção.  Assim, diz o julgado:

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA IRPJ Ano calendário: 2002, 2003, 2004 COOPERATIVA DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA. ATUAÇÃO NA AQUISIÇÃO DE INSUMOS, PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS. INTEGRAÇÃO DAS CADEIAS DE NEGÓCIO. Conceito contemporâneo do agronegócio não permite visualizar a produção agrícola de maneira isolada, mas sim dentro de um contexto sistêmico, integrando-se todas as cadeias do negócio. Tomando-se como referência o local de entrada da propriedade rural, qual seja, a porteira, fala-se em (1) setor a montante, “antes da porteira”, elo da cadeia onde se situam os agentes que detêm os insumos e os bens de produção, (2) setor de produção, “dentro da porteira”, ou seja, produção dentro dos limites da propriedade, e (3) setor a jusante, “depois de porteira”, responsável pelo processamento, comercialização, marketing e distribuição do produto. A Lei nº 8.171, de 1991, ao tratar da política agrícola, entendeu-se que atividade agrícola consiste na produção, processamento e comercialização dos produtos, subprodutos e derivados, serviços e insumos agrícolas, pecuários, pesqueiros e florestais. É nesse contexto que se deve inserir o cooperativismo agrícola, viabilizando ao cooperado assistência plena. (BRASIL, 2014, n.p.)

O Projeto de Lei nº 487, de 2013, de autoria do Senador Renan Calheiros, busca a reforma do Código Comercial, porém, há uma particularidade para o setor do agronegócio. O supradito projeto, no Livro III nomeado Do Agronegócio, traz 39 artigos, começando pelo artigo 681 até o 755 e trata exclusivamente da atividade do agronegócio brasileiro contemporâneo.

O projeto trata dos contratos que regulamentam o agronegócio, títulos de crédito, armazenagem, CPR e cadeia agroindustrial. Caso seja aprovado, haverá a utilização expressa do vocábulo agronegócio, conforme pode ser visto no artigo abaixo:

Art. 681. Agronegócio é a rede de negócios que integra as atividades econômicas organizadas de fabricação e fornecimento de insumos, produção, processamento, beneficiamento e transformação, comercialização, armazenamento, logística e distribuição de bens agrícolas, pecuários, de reflorestamento e pesca, bem como seus subprodutos e resíduos de valor econômico. (BRASIL, 2013, n.p.).

Com isso o vocábulo “agronegócio”, é um termo econômico, porém o direito não pode se prender a conceitos estrito de seu “universo”, para uma formulação de textos, artigos ou teses a interdisciplinaridade deve ser utilizada.

Publicado por:
Ricardo Fernandes de Moraes
Bacharel em Direito e Ciências Contábeis
Pós-Graduado em BSSP Auditoria Digital e Tributária
Pós-Graduando pelo IBET – Direito Tributário.