Planejamento tributário para o produtor rural
O Plano Safra é uma política agrícola brasileira em que o governo apresenta anualmente um plano estratégico de apoio ao produtor rural que tem como finalidade financiar e fomentar o crescimento do setor.
São três os pilares do Plano Safra: crédito rural, gestão de risco e apoio à comercialização.
Um breve conceito do primeiro pilar das políticas agrícolas está na Lei 4.829-65, art. 2º, que diz: “Crédito rural é o suprimento de recursos financeiros por entidades públicas e estabelecimentos de crédito particulares a produtores rurais ou suas cooperativas para aplicação exclusiva em atividades que se enquadrem nos objetivos indicados na legislação”.
O crédito rural é o pilar que demanda o maior volume de dinheiro. No Plano Safra de 2021/2022 foram disponibilizados R$ 251,2 bilhões de reais, sendo que R$ 177,8 bilhões destes foram para custeio e R$ 73,4 bilhões foram para financiamentos e investimento.
Com taxas de juros que variam de 3,0% a 4,5% para pequenos produtores, 5,5% a 6,5%, para médios produtores e 7,5% a 8,5% para os demais produtores, o crédito é sem dúvida o maior incentivo e mecanismo de fomento que as cadeias agroindustriais possuem.
Um ponto relevante foi o aumento dos agentes financiadores, que passaram de 7 para 12, fortalecendo a concorrência entres as instituições financeiras que operam o crédito rural e aumentando o rol instituições de capitação para o produtor.
Diante do cenário atual, com toda a pauta ESG e preocupações com políticas sustentáveis, destacou-se o programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono), com um valor alocado de R$ 5,0 bilhões, o dobro do valor do plano anterior.
A gestão de risco é o segundo pilar do Plano Safra. Como o agronegócio está ligado diretamente ao meio ambiente e às condições climáticas, a agricultura é literalmente uma empresa a céu aberto.
Com o crescimento do risco e pela diversidade geográfica que o Brasil possui, em uma mesma época do ano, mas em estados diferentes, os produtores sofrem com excessos de chuva e com uma grande estiagem.
O pilar da gestão de risco é importantíssimo para o produtor. O Seguro Rural e o Programa Nacional de Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) a cada ano vêm se tornando mecanismos de proteção de suma importância para o produtor.
Do ano de 2018 para o ano de 2022, o governo aumentou o valor do orçamento do Seguro Rural em R$ 633,34 milhões, passando de R$ 366,66 milhões pra R$ 1,0 bilhão. Aumentaram também as apólices de seguros, passando de 63.095 para 158.500. A quantidade de hectares segurados também aumentou substancialmente nesse período, passando de 4,6 milhões de hectares para 10,7 milhões de hectares assegurados.
O Zarc é um instrumento da política agrícola e gestão de risco da agricultura que ajuda o produtor no planejamento da safra para mitigar ou evitar riscos de perdas de produção. É composto por mais de 100 pesquisadores e colaboradores de 32 centros de pesquisa da Embrapa e outras instituições, que fazem análises do clima, solo e ciclo dos cultivares.
O terceiro e último pilar é o apoio à comercialização, para onde foi destinado R$ 1,4 bilhão. Os principais instrumentos de apoio à comercialização são a AGF (Aquisição do Governo Federal), o COV (Contrato de Opção de Venda), o PROP (Contrato Privado de Opção de Venda e Prêmio de Risco de Opção Privada), o PEP (Prêmio de Escoamento de Produto), o VEP (Valor de Escoamento de Produto), o PREPO (Prêmio Equalizador Pago ao Produtor) e o FEE (Financiamento Especial para Estocagem de Produtos Agropecuários).
Nesse cenário, o Plano Safra é a política agrícola brasileira mais importante. Ainda que o valor destinado a ele seja muito criticado por não atender toda a cadeia agroindustrial, ainda é o maior e melhor meio de fomentar o agronegócio do nosso país.
O último Plano Safra, quando comparado com ano anterior, apresentou um aumento nas instituições financeiras com operação do crédito rural, passando de 7 para 12 instituições. Porém, esse número por muitos anos ficou e ainda está concentrado em sua maioria pelo Banco do Brasil, responsável por 43% de toda movimentação do crédito rural brasileiro.
Outro ponto relevante é que, das 12 instituições financeiras que possuem operação com o crédito rural, pode-se dizer que apenas duas são 100% privadas: o Banco Bradesco e o Banco CNH. As demais são bancos sob controle do governo ou cooperativas de créditos.
Com isso, quase 50% do crédito rural está concentrado em uma única instituição, o Banco do Brasil, e essa instituição, por mais que seja de composição mista – com capital privado e público –, é controlada pela União, que toma a maioria das decisões.
A diversificação das instituições financeiras detentoras da fatia do crédito rural e o incentivo à concorrência demostram para as intuições privadas que o agronegócio brasileiro é um setor em ascensão e, assim, um mercado quase que de água limpa. São soluções que o Banco do Brasil tem para a descentralização do “poder”, aumentando assim a quantidade de produtores que podem se beneficiar do crédito rural.
Algumas instituições já notaram isso e fazem um trabalho, a meu ver, primordial e muito agressivo no que tange o mercado e a concorrência de crédito para produtores rurais. O Banco Itaú BBA e o Banco Rabobank notaram esse mar de água limpa e estão investindo pesado no setor do agronegócio.
Outro ponto importante destacado pelo Plano Safra são as tecnologias e mudanças que o campo vem sofrendo quase diariamente – algo que é tido hoje como inovador, amanhã se torna obsoleto como em um piscar de olhos, e no agronegócio isso não é diferente.
O aumento da produtividade de produtos agrícolas brasileiros não é devido ao aumento das áreas agriculturáveis, mas a produzir mais na mesma quantidade de área. Isso é devido às tecnologias empregadas no agronegócio – o chamado agronegócio 4.0.
Um estudo publicado dentro do plano agrícola e pecuário de 2021/2022 traz dados de extrema relevância. Entre os anos 1976 e 2020 o Brasil aumentou a sua produção agrícola em 441%, a sua produtividade em 193% e a sua área agriculturável em 53%. Isso demonstra que a agropecuária brasileira é altamente competitiva e tecnológica, e, acima de tudo, sustentável, pois está conseguindo produzir mais sem aumento drástico e desordeiro de áreas.
Diante disso, o Plano Safra possui uma linha crédito para o incentivo à inovação tecnológica na produção chamada Inovagro. São 10 itens acobertados por essa linha de crédito, com limite de liberação do crédito de R$ 1,3 milhão para empreendimentos individuais e R$ 3,9 milhões para empreendimentos coletivos.
Devido à pauta ESG em todos os lugares do mundo, o investimento em novas tecnologias e pesquisas será de extrema importância – e vou um pouco além: será quase vital para o futuro do agronegócio mundial.
A base principal do agronegócio é a terra e o que dela se produz; sem isso, não existe cadeia agroindustrial.
Por muito tempo, a imagem do agronegócio brasileiro foi de algo “obscuro”, como se as nossas políticas ambientais não estivessem sendo cumpridas, ou, no bom linguajar coloquial, “mais desmatávamos do que produzíamos”. Isso se mostrou uma falácia, uma pauta ideológica. De acordo com diversos estudos científicos apresentados nos últimos anos, demonstrou-se que o Brasil aumentou significativamente o seu volume de produção, sem aumentar na mesma proporção as terras agriculturáveis.
Isso se deu por conta dos investimentos em novas tecnologias, evidenciando com maestria que é possível produzir mais no mesmo pedaço de terra, respeitando a pauta ESG e a preservação ambiental – que, a meu ver, são de extrema importância – e a continuação dos investimentos em novas tecnologias para o aumento da produtividade de forma sustentável.
Nos próximos anos, esse será o carro chefe do agronegócio mundial. Tais investimentos partem da primícia do aumento da liberação de crédito e incentivos não apenas públicos, mas da iniciativa privada.
Outro gargalo importante é o limite de liberação por produtor que o Plano Safra impõe. Devido ao aumento dos números monetários e produtivos nos quais as cadeias agroindustriais estão envolvidas, as cifras não são mais como antigamente.
O Plano Safra possui um limite de valor de crédito que o produtor pode solicitar, que está nas cifras de R$ 2.500.000,00 por CPF.
Hoje em dia o custeio da produção agrícola aumentou drasticamente, devido ao aumento dos preços dos insumos que estão atrelados ao dólar, à guerra entre a Ucrânia e a Rússia, que são grandes fornecedoras de insumos para o Brasil, e à demanda da China por alimentos. Isso tudo tem impacto direto no produtor, seja ele pequeno ou grande – o valor dos insumos e commodities é o mesmo para todos.
Porém, para o Plano Safra, para que um pequeno produtor rural se enquadre no Pronaf, ele não pode ter renda bruta anual acima de R$ 500.000,00; para que um médio produtor se enquadre no Pronamp, ele não pode ter renda bruta anual acima de R$ 2.400.000,00. Quem passar desses números é considerando grande produtor.
Trazendo para o cenário atual do agronegócio brasileiro e fazendo um recorte metodológico para área de grãos, mais especificamente soja e milho, hoje o preço da saca de soja está quotado a uma média de R$ 160,00, enquanto o preço da saca do milho tem uma média de R$ 70,00. Com esses dados, vamos fazer uma análise simples de produtividade com quantidade de área, uma métrica de cálculo: Uma área produz cerca de 60 sacas de soja por hectare. Vamos pegar essas 60 sacas de média e multiplicar por 4,84 (alqueirão), e teremos cerca de 300 sacos por alqueire. Vamos pegar esses 300 sacos e multiplicar por 50 alqueires, e teremos um total de 15.000 sacas. Agora, vamos multiplicar essas 15.000 sacas por R$ 164,00 que é média de preço da soja, e teremos R$ 2.460.000,00.
Portanto, para o Plano Safra, um produtor que planta 50 alqueires ou 242 hectares é considerado um grande produtor. Ora, sabemos que esses cálculos, na realidade, não fazem sentido nenhum. Um produtor que planta 50 alqueires é um pequeno produtor. Aqui estamos considerando apenas a safra – ficou de fora a safrinha, e em algumas regiões atualmente se fala em uma terceira safra.
O conceito de grande produtor rural descrito no Plano Safra é algo que não condiz com a realidade atual do agronegócio. Para o governo, um produtor que produz em uma área de 50 alqueires é considerado um grande latifundiário. Esse número nem de perto está correto. A métrica para a classificação de pequeno, médio ou grande produtor deve ser revista. Talvez o faturamento não seja a métrica mais correta para essa classificação, e talvez o tamanho da área produtiva, não a área total, seja outra métrica a ser estudada com mais afinco.
Assim sendo, todas as situações descritas têm ligação com a mudança cultural que o produtor rural e o brasileiro, em sentido amplo, estão passando. Falta o entendimento da existência de outros meios de investimentos que não apenas os meios tradicionais que os bancos de varejo ofertam.
Essa mudança passa por um grande gargalo brasileiro, que era a educação financeira. Pouco se lia sobre o assunto, mas, com o aumento do consumo das redes sociais, o brasileiro se deu conta que é possível ter um bom retorno sem correr ricos enormes.
Essa mesma mudança está acontecendo no mercado de crédito rural. Aquele conceito tradicional de custeio ou Finame que está atrelado diretamente aos mesmos bancos de varejos, hoje começa a dividir espaço outras opções de captação de recursos.
O incentivo a esses outros meios e o fomento da educação financeira talvez seja a solução para esse gargalo. Conhecimento deve ser disseminado.
Quando se fala em planejamento tributário para o produtor rural, a palavra que logo vem em mente é “complexidade”. Do modo como vejo, porém, um planejamento tributário não é complexo, mas estratégico, pois temos que saber usar as peças que o Fisco nos fornece para fazer a engrenagem funcionar.
O que muitos produtores e profissionais que, de alguma forma, estão ligados ao agronegócio ainda não entendem completamente é que a cada ano a Receita Federal se abastece de mais informações com qualidade. Mas o que seriam “informações com qualidade”?
Esse ano, o programa gerador do Imposto de Renda trouxe algumas mudanças pontuais que atingem diretamente o produtor rural que não está obrigado a entregar o livro-caixa digital. A primeira delas é sobre os imóveis rurais explorados quanto à classificação da condição de exploração em condomínio, parceria ou arrendamento. O programa abre uma aba para que você qualifique o participante com o seu nome e CPF. “Participante” são os outros contribuintes que compõem o condomínio, ou o outro parceiro agrícola e o arrendante.
A segunda mudança se deu nos bens da atividade rural. Aqui, a mudança foi uma equiparação com os bens da parte A da declaração, onde deverá ser informada a situação do bem em 31/12/2020 e em 31/12/2021. Acredito que o termo tenha sido mal colocado pela Receita Federal, pois o correto seria “valor do bem”.
A terceira mudança está ligada às dívidas da atividade agrícola. A partir desse ano deverá ser informado o valor pago no ano base – antes, o contribuinte informava a situação da dívida em 31/12/2020 e em 31/12/2021. Aqui a palavra “situação” está empregada corretamente, pois o valor informado nesse campo é o valor real da dívida com os acrescimentos de juros e correções, e não apenas o principal.
Mas por que tais mudanças no anexo da atividade rural? Por duas razões: primeiro, o anexo da atividade rural estava um pouco esquecido pela Receita; as informações ali contidas não tinham qualidade – eram genéricas, não eram uniformes ou tempestivas. Eram informações com as quais a Receita não conseguia fazer análises mais detalhadas, pois não tinham um elo entre si, eram “soltas” dentro da declaração. Agora, a Receita conseguiu um grau maior na qualidade das informações e equiparou o anexo da atividade rural com a relação de bens da parte A do programa.
A outra e a mais importante razão é que, com essas mudanças, o anexo da atividade rural se tornou um espelho do livro-caixa digital do produtor – 80% das informações contidas em um arquivo do livro-caixa estão informadas no anexo do programa da atividade rural. A única situação para a qual a Receita ainda não pediu mais detalhes é no campo de receitas e despesas da atividade agrícola, mas logo isso será exigido.
Esse é um ponto que deve ser ilustrado, para que todos possam entender o que é o livro-caixa, o seu detalhamento e o grau da qualidade de informação que a Receita Federal tem em mãos.
As receitas e as despesas devem conter o dia em que foram pagas ou recebidas, o nome de quem o produtor está recebendo ou para quem está pagando, juntamente com seu o CPF ou CNPJ e a conta bancária onde entrou ou de onde saiu o dinheiro para o recebimento ou pagamento.
Fazendo a ligação fiscal com a financeira, para a Receita Federal não basta apenas informar a nota fiscal ou o nome da empresa com que o produtor fez negócio, mas deve-se informar a conta bancária da qual essa transação teve origem.
Nota-se, atualmente, que o produtor que fatura acima de R$ 4.800.000,00 (critério da obrigatoriedade da entrega do livro-caixa digital) está mais exposto perante a Receita Federal. Equiparado às pessoas jurídicas, hoje o produtor rural pessoa física tem a obrigação de prestar informação com qualidade para o Fisco.
Isso é algo que perdurará por muito tempo. Não se pode tratar a parte fiscal do produtor de uma maneira amadora e desleixada – por isso o planejamento tributário e a utilização lícita das peças fornecidas pelo Fisco para a diminuir da carga tributária são de suma relevância, atualmente.
Uma delas é a tributação mista, tema do próximo artigo. Você sabia que dentro de uma pessoa jurídica que tem exploração agropecuária com um faturamento de até R$ 3.000.000,00 anuais você paga apenas 3,08% de tributos e faz esses R$ 3.000.000,00 se tornarem R$ 6.000.000,00 dentro da pessoa física? Isso é a tributação mista entre a pessoa física e a pessoa jurídica.
Ricardo Fernandes de Moraes
Bacharel em Direito
Bacharel em Ciências Contábeis
Pós Graduando em Direito Tributário pelo IBET-GO